Espumante: o brinde nosso de cada dia

Espumante: o brinde nosso de cada dia

15 de dezembro de 2017 0 Por Tiago Locatelli

Espumante: o brinde nosso de cada dia

Uma das coisas mais cativantes do mundo do vinho é certamente o perlage. As bolinhas, finas e intermitentes, formam um colar de pérolas que exerce uma atração hipnótica, surgindo inexplicavelmente em um ponto aleatório no fundo da taça, se estendendo até a superfície do líquido, onde desaparece para tornar-se parte da alma perfumada do vinho. Porém, quem entra numa enoteca hoje em dia e vê dezenas de opções expostas, na maioria das vezes não sabe o quanto os “vignerons” de Champagne lutaram, séculos atrás, para eliminar esse “defeito”, até finalmente entender que na verdade estavam diante de um milagre que se tornaria um dos mais célebres e festejados estilos de vinho.

Demorou muito tempo para que o método Champenoise se desenvolvesse. Foi uma longa jornada desde o começo do século XVIII, quando Dom Pérignon definiu várias regras de viticultura e vinificação, passando pelo desenvolvimento do Remuage, até o domínio da segunda fermentação de modo que produzisse a quantidade suficiente de gás carbônico sem estourar as garrafas. Ironicamente, o monge a quem o imaginário popular atribui a invenção do Champagne, na verdade, lutou durante toda sua vida para eliminar a teimosa efervescência primaveril, na sua abadia em Hautvillers. Com verões e outonos curtos, não havia tempo suficiente para que o vinho fermentasse completamente, e o frio intenso do inverno fazia a fermentação cessar. Então, os vinhos eram engarrafados. Porém, quando a temperatura voltava a subir, a fermentação retomava, causando explosões e perda de milhares de litros (o vidro não era forte o suficiente para resistir à pressão), além da inconveniente espuma nas garrafas que se salvavam. O empirismo de Dom Pérignon chegou a receitar apenas uvas tintas, que, segundo suas observações, produziam vinhos menos propensos à refermentação.

De qualquer forma, nos idos de 1800, os vinhos da Champagne já haviam conquistado vários adeptos, notadamente Napoleão Bonaparte. A Rússia foi o primeiro grande mercado externo, não se sabe ao certo se pelas borbulhas ou pelos altos índices de açúcar. O grande problema da turbidez foi resolvido com o desenvolvimento do “remuage”. Reza a lenda que a própria mesa da sala da Viúva Barbe Nicole foi usada para se desenvolver o primeiro pupitre! Em meados do século XIX, o Champagne já era produzido com diferentes níveis de açúcar dependendo do mercado destinatário (os mais doces para a Rússia, menos doces para a Escandinávia e os Estados Unidos, e os mais secos para a Inglaterra). Originou-se daí a atual classificação de doçura que vai desde o Brut Nature até o Doux.

Dado o sucesso cada vez maior do Champagne, várias regiões passaram a produzir vinho espumante: a Bourgogne, Württemberg na Alemanha, e, no final dos 1800, a Itália, que contou com o pioneirismo de Giulio Ferrari, hoje considerado um dos melhores vinhos do mundo. Também na Itália, Federico Martinotti desenvolveu uma nova maneira de se produzir o espumante: o hoje conhecido método Charmat, onde a segunda fermentação acontece em tanques pressurizados. Este método, mais simples, é usado para a produção dos famosos Prosecco e Lambrusco. Outros países ganharam fama, notadamente a Espanha, com o seu
Cava, e mais recentemente o Brasil.

No atual contexto da nossa sociedade, o espumante tem sido vinculado a comemorações, festas, celebrações de datas especiais. Realmente, talvez não exista melhor momento para abrir uma garrafa que na reunião com a família e amigos, durante o brinde ao novo ano. Porém, na prática ele é muito mais que isso: é um aliado valioso nas refeições do dia a dia, muito versátil na harmonização com diferentes pratos, desde os simples até os mais sofisticados. É também um aperitivo por excelência, para se bebericar a qualquer momento, e por ser refrescante, é muito adequado ao calor tupiniquim. Enfim, é um vinho que merece ser trazido para mais perto das nossas mesas, das nossas taças, das nossas vidas. Como diria Napoleão, “merecido nas vitórias e necessário nas derrotas”.