Para os vinhos, a barrica deve ser como maquiagem em moça bonita…

27 de março de 2017 0 Por Sidney Lucas

Woman sniffing red wine in a glass, close up

Já aconteceu de você ir a uma loja ou supermercado onde algum vendedor lhe ofereceu um vinho barricado custando trinta ou quarenta reais? Normalmente dizem (ou está escrito no contrarrótulo) que “…este vinho permaneceu por 3 meses em barricas de carvalho francês (ou americano) conferindo-lhe notas de baunilha…”, já passou por esta experiência? Pois bem, falemos então sobre barricas e vinhos barricados para depois continuarmos!

Carvalho é o nome popular de árvores pertencentes ao gênero Quercus, da família das Fagáceas, usadas para a confecção de barricas e toneis destinados ao amadurecimento de vinhos. Apenas três espécies de fato interessam para a tanoaria, que são: Quercus alba (o carvalho norte-americano), o Quercus sessiliflora e Quercus pedunculata (ambos europeus).

Hoje em dia, as razões para se utilizar barricas são os benefícios que esta prática traz à bebida. A porosidade da madeira permite uma micro-oxigenação ao vinho ali guardado e, lentamente, amacia os taninos tornando-o mais “redondo”, menos agressivo; também auxilia na estabilização da cor – em especial dos tintos – permitindo que os taninos e os antocianos interajam por um processo chamado de ligação oxidativa, tornando a cor mais estável e durável; contribui para o surgimento de novos aromas e sabores devido às características da madeira transferidas ao vinho. Dependendo da quantidade de vezes que o recipiente foi usado e o tempo que o vinho passou ali dentro, pode aportar mais ou menos destas características. Resumindo, o estágio do vinho na barrica serve para “domá-lo” e torná-lo melhor, mais rico. Contudo, não é qualquer vinho que tem condições de passar por madeira. O vinho precisa nascer grande para que a barrica o deixe maior ainda.

Uma barrica francesa de bom fabricante com capacidade para 225 ou 300 litros custa cerca de 3.000 reais, podendo custar bem mais se for de alguma floresta especial ou tanoaria de grife. É utilizada apenas quatro vezes em média. Ainda sobre custos, é necessário considerar a perda de vinho que se tem ao encher os recipientes de madeira. Logo de início, ocorre uma diminuição significativa do volume devido à absorção do vinho pela madeira, também ocorre evaporação levando a perder cerca de 5% do volume ao ano.

Pois bem, voltemos então à questão antiga. Lembra?

Se a barricagem é para tudo aquilo que está apresentado no terceiro parágrafo e custa o que está no quarto, como é que um vinho barricado pode custar uns trinta reais? Só se for por mágica! A conta não fecha.

Para os vinhos baratinhos apresentarem alguns aromas de carvalho existe uma fórmula muito mais em conta que as caras barricas, os famosos e polêmicos chips de carvalho, que podem ter a forma de cubos, lascas, tábuas ou serragem. São mergulhadas nos tanques de inox permanecendo ali até que algumas características da madeira sejam transmitidas ao vinho (apenas sabor e aroma, a ligação oxidativa e outros benefícios não ocorrem).

Na minha opinião, quando usados com critério, não há demérito algum, tampouco é desonesto usar chips de carvalho para dar uma melhorada nos vinhos simples. Já bebi inúmeros vinhos produzidos assim e achei muitos deles excelentes pela proposta que traziam, o erro está em fazer uso desta prática e não informar adequadamente ao consumidor, vendê-lo como se fosse barricado.

Melhor é beber um bom vinho sem madeira do que outro com madeira mal integrada, encobrindo a tipicidade da variedade da uva ou do terroir. É isso que acontece quando os chips são usados de forma equivocada por produtores que abusam desta prática ou até mesmo aqueles vinhateiros que, embora utilizem barricas, deixam seus vinhos ali por períodos maiores do que deveriam.

Quem disse que vinho bom é vinho barricado!? Lembra que escrevi nas linhas anteriores que a barrica serve para agigantar ainda mais o gigante? É como maquiagem em moça bonita, apenas a deixa mais exuberante! Não precisa supervalorizar o carvalho, não é ele quem faz o bom vinho, e sim, todo um contexto que o cerca desde o vinhedo.

Caso tenha ficado curioso e queira conferir se existem mesmo grandes vinhos sem passagem por barricas, temos alguns produtores em nosso catálogo que aboliram o carvalho de suas cantinas, entre eles, o mais revolucionário enólogo do Chile e um dos 30 mais influentes do mundo pela Decanter inglesa, Marcelo Retamal, se estabeleceu no Vale de Elqui para dar forma a um projeto incrível chamado Viñedos de Alchohuaz. Estes vinhos totalmente naturais nascem com mínima intervenção no vinhedo e na adega, uma gruta de pedra perfurada na montanha. As uvas são pisadas em lagares de pedra como no passado. Seus vinhos alcançaram pontuações altíssimas no principal guia especializado chileno, o Guía Descorchados. Outro que merece destaque é Alessandro Dettori, um dos produtores mais originais e respeitados da Sardegna, dentre suas práticas estão: maceração sem sulfurosa em tanques inertes, nenhuma adição de produtos químicos, leveduras ou enzimas, nem coadjuvantes enológicos. Seus vinhos não são clarificados ou filtrados e, é claro, não são barricados.