Temos vinho, graças a Deus!

Temos vinho, graças a Deus!

17 de julho de 2017 0 Por Sidney Lucas

Temos vinho, graças a Deus!

É impressionante a importância do vinho para as religiões, todas elas, tanto para aquelas que o utilizam como parte da liturgia quanto para aquelas que o considera funesto. Dentre as que conheço, nenhuma deixa de abordar o tema “vinho”. Talvez pelo fato de o vinho e a fé em divindades andarem de mãos dadas desde os primórdios.

As civilizações sempre associaram o vinho a inúmeras coisas, algumas absurdas, outras não. Já foi símbolo de saúde, prosperidade, imortalidade, fertilidade… ainda sobre a fertilidade, na mitologia egípcia consta que a deusa Ísis teria engravidado ao comer uma uva… pensa numa uvinha perigosa! O que deve ter nascido, será? (Rs)

Durante a dominação do império islâmico a repressão ao consumo de álcool era menor em países distantes do berço da religião. Vários países europeus não chegaram a perder totalmente seus vinhedos por causa do islamismo. Também não foi só a dominação islâmica que trouxe dificuldades, as muitas guerras, pragas generalizadas, invasão dos mongóis e outros acontecimentos quase colocaram fim à era do vinho. Comunidades Judaicas e a Igreja Católica muito contribuíram para a resistência.

De fato, nenhuma religião contribuiu mais que o cristianismo para a continuidade e popularização desta bebida milenar. São centenas de citações na Bíblia, desde admoestações sobre os perigos da bebedeira, conselhos para que se consuma com moderação para manutenção da saúde, até a escolha do vinho por Cristo para simbolizar seu sangue que seria jorrado pela remissão dos pecados.

Na história mais recente (nem tanto, século XII) a igreja católica foi pioneira nos estudos científicos da videira, solo e clima, esmiuçando e associando estes três à boa ou má qualidade do vinho.  Os monges da Abadia de Cîteaux “dividiram” a Borgonha em micro-regiões de acordo com o terroir ali existente, fizeram famosas localidades como Pommard, Vosne, Clos de Vougeot e tantas outras. Era o esboço para as Apelações de Origem que conhecemos hoje.

A igreja também contribuiu para a disseminação da cultura do vinho pelo mundo, plantando os primeiros vinhedos nos países descobertos na Era das Grandes Navegações para não faltar o vinho da eucaristia.

Já sabemos então que a cultura do vinho teve dois grandes guardiões e embaixadores ao longo dos milhares de anos, o cristianismo e o judaísmo, mas existem diferenças entre o vinho católico e o judeu. Vamos às diferenças: o vinho das missas, chamado sacramental ou canônico, precisa seguir algumas regras do Vaticano, a principal é não ter adicionada nenhuma substância estranha (ervas, especiarias…) ao vinho. É comum que seja acrescentado um pouco de álcool e açúcar para melhor conservação. Os judeus obedecem a regras muito rígidas no que diz respeito à alimentação, o vinho faz parte deste contexto e carrega consigo inúmeros simbolismos. Estas regras estão relacionadas nos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (Pentateuco), norteando todos os hábitos alimentares do povo em questão.  O vinho Kosher feito em Israel deve ser oriundo de videiras que tenham mais de quatro anos de idade e o vinhedo deve “descansar” a cada sete anos, assim sendo, não se manuseia a vinha tampouco a terra; não se deve plantar nenhuma outra planta entre as vinhas; o vinho só pode ser manuseado por judeus ortodoxos; não se deve usar aditivos agrícolas sintéticos, apenas orgânicos devendo ser interrompido o tratamento dois meses antes da colheita; as uvas não devem ser esmagadas com os pés… são estas as regras que mais chamam a atenção.

Religiosos ou não, crentes ou descrentes, uma coisa devemos reconhecer, por muito pouco teríamos ficado sem vinho se não fossem estas duas culturas que resistiram bravamente por milênios fazendo valer a regra: no meu vinho ninguém mexe! Acho até que podemos dizer: “Temos vinho, graças a Deus!”