Orange Wine Quest – III

Orange Wine Quest – III

21 de agosto de 2014 0 Por GUILHERME CORRÊA

Visitar Josko Gravner no seu reino de Oslávia é o ápice na carreira de qualquer amante do vinho de verdade, o pináculo da emoção de escutar o vinhateiro mais sábio e revolucionário e ao mesmo tempo o mais humilde do mundo, é a culminação da alegria de saber que nem tudo neste mundo é governado pelos interesses comerciais, que é possível sonhar!!!

Quando se visita Josko, o melhor é deixar-se levar pelos sentidos, guardar o caderno de provas, o bloquinho de anotações, e sentir. Sentir a sua “anima” fluir em uníssono com a dele, num ambiente mágico de tirar o fôlego, de arrancar as lágrimas e aquele “uaaaau” que vem lá de dentro do seu peito.

Um ambiente mágico que nos põe a repensar sobre o passado e o futuro do mundo do vinho

A SIMPLICIDADE É TUDO NO FINAL DAS CONTAS

Quando o meu caminho cruzou com o de Josko a primeira vez, em uma degustação em San Marino em 1997, me espantou a sua desafetação e candura ao se apresentar para um grupo de mais de cem pessoas que aguardava o “melhor produtor de vinhos brancos da Itália” no palco: “sou um pequeno vinhateiro da fronteira da Itália com a Eslovênia”. “O que é isso? Você é o cara, o mais premiado em todos os guias italianos, o enólogo com alocação garantida de cada mililitro de vinho que coloca no mercado!!!” pensei, tentando compartilhar minha inquietação com os vizinhos de prova.

Mas Josko é assim. Alguém que nos abala com a sua perturbadora modéstia. A ponto de não deixar a vaidade de estar na crista da onda nos anos 80 obnubilar o seu rumo que parecia incontornável de produzir grandes vinhos técnicos, “a exata tipologia que o mercado pedia”. Zarpou para a Califórnia em 1987, e na volta, confidenciou à sua esposa: “esta viagem foi fundamental para mim”, e aí imagino a doce Maria voltando-se atônita antes da frase ser completada por Josko: “aprendi o que não se deve fazer”.

E dessa forma os tanques de inox, as pequenas barricas e todos os artifícios da enologia moderna acabaram banidos da cantina Gravner nos anos 90, e como era de se esperar, seus vinhos foram sumariamente excluídos dos guias ou severamente desaprovados pelos críticos que sempre os aclamaram.

O ponto de inflexão na vida de Josko estava próximo, e ao contrário de sua malfadada jornada à Califórnia, as seis viagens à República da Geórgia em 2000 foram reveladoras, descortinaram os novos rumos a seguir: voltar às origens da vitivinicultura em busca da simplicidade de se elaborar um vinho prístino, autêntico, transparente ao terroir.

Dou a palavra então a Josko, as suas frases ainda ecoam na minha alma, e que ele me perdoe se não forem ipsis litteris, contemplativo como eu estava naquela visita tão inebriante…

“A simplicidade é tudo, ela é sinônimo de qualidade no vinho”

“Eu fui para a Geórgia para entender o vinho. Entender o vinho é entender a sua história”

“O Cáucaso tem 5.000 anos de tradição. Quem busca água pura deve ir à nascente, não à foz de um rio”

“Na escola de enologia moderna se aprende a fazer um vinho sem defeitos. Mas um vinho não deve apenas não ter defeitos, deve ter alma”

“Não existe vinho natural ou industrial. Existe vinho. Se é vinho, é natural, se não é natural, não é vinho”

“O que se chama atualmente de mundo do vinho está perdendo a ética”

“Eu mesmo caí na armadilha de usar tanques de inox, hoje me envergonho, mas erros são necessários na nossa trajetória. Parei com os metais”

“Certamente a tecnologia nos proporcionou coisas incríveis, mas em relação aos alimentos e ao vinho, sou totalmente contrário, pois eles terminam no nosso estômago. Dali em diante, se não forem as bactérias, as leveduras e os enzimas, não há vida. Não uso então de nenhum artifício que possa inibir a ação destes elementos”

“Além de uva, o único ingrediente que entra na minha cantina é um pouco de enxofre. Achei que poderia fazer vinho bom sem sulfurosa, mas estava errado. A razão é histórica: negar o uso de enxofre é degradar 2.000 anos de luta dos homens para fazer bons vinhos, desde que descobriram esta prática”

“O produto primário da uva é o vinagre, o mosto em fermentação gera um pouco de sulfurosa como autodefesa e parece pedir: dê-me mais um pouco que eu te farei um bom vinho”

“Em busca do recipiente idôneo para desenvolver o vinho, cheguei nas ânforas. O porquê das ânforas? Simples: a terra é necessária para nascer a uva boa, e a terra é novamente necessária para nascer o vinho. O círculo se fecha com uma simplicidade desconcertante”

“As ânforas eliminam a participação humana, os controles de temperatura, de acidez, etc. Elas amplificam a qualidade das uvas que você colheu, para o bem ou para o mal”

“As ânforas de terracota da Geórgia não possuem cádmio e chumbo na composição”

“Há 1.300 anos surgiram os barris de madeira, antes os vinhos nasciam em ânforas. Os recipientes modernos surgiram há décadas e serão os primeiros a serem eliminados”

Josko recolhe uma amostra de seu vinho de TERROIR, elaborado em ânforas de TERRACOTA, enterradas na TERRA!

“Na cantina não se melhora nada, a uva tem que ser boa, tem que ser de colina, de áreas não irrigadas. Se 85% do vinho é água, é um contrassenso se esta água não for natural. A seca é fundamental para as raízes buscarem água na profundidade, onde acabam sugando a mineralidade”

“Uma uva não está madura quando atingiu seu equilíbrio de açúcar e acidez, como ensinam nas escolas de enologia. Tal como um rapaz de 18 anos é um adulto, mas não está maduro ainda. A maturidade leva tempo”

“As minhas uvas são colhidas tardiamente porque precisam de maturidade para gerar caráter e álcool necessário para um longo período de amadurecimento que se seguirá depois”

“A Botrytis na sua forma nobre é hoje muito importante para meu vinho. Aprendi a lutar contra ela na escola, e não escutei os ensinamentos do meu pai”

“Meu pai Joseph me ensinou que a grande uva do Collio era a Ribolla. Demorei a me convencer e experimentei muito, mas hoje reconheço plenamente que ele tinha total razão”

“O grande vinho, na origem de tudo, era o branco. Isto porque o branco pode ficar meses em contato com as suas cascas, que guardam a essência da terra, enquanto que os tintos aguentam no máximo semanas de maceração”

“As uvas desengaçadas são colocadas nas ânforas. A fermentação é espontânea com leveduras selvagens. Neste período são feitas de 4 a 5 follature (abaixamento manual do chapéu de sólidos) até o fim da malolática. As ânforas são então cobertas e as cascas e os sólidos ficam a macerar de 5 a 7 meses. São então prensadas e o vinho levado às botti de carvalho da Eslavônia, onde amadurece por até 7 anos”

“7 anos é um número mágico, quando a vida sempre se renova”

Pouquíssimos tintos do mundo permanecem 7 anos em madeira, mas isto não parece ser muito para os brancos de Gravner…

“Orange wines? Meus vinhos não são laranjas! Laranja não significa vida, âmbar sim!”

Ideias ancestrais da Geórgia se enleiam com o futuro do vinho de verdade na mesa de Josko

“O vinho é como uma criança, absorve nosso humor, nossos gestos, nosso caráter, não há como enganá-lo”

“O vinho é o pensamento da pessoa que o põe no mundo. Somente depois dos 60 anos alguém faz um vinho bom. A maturidade é fundamental”

“Na minha vida eu mudei quatro vezes a forma de vinificar. Mas se alguém perguntar qual será a próxima maneira, digo que não haverá. Pois cheguei na nascente, além dela não se vai”

Alheios à sua importância no cenário enológico mundial, Pepi e Bruno se divertem despreocupadamente…